terça-feira, 23 de setembro de 2008

O desejo de comunicar


Um dia, depois de tomar o pequeno almoço e de perceber que estava a haver uma revolução, alguém muito intelectual decidiu achar que a tecnologia afastava as pessoas. Muito bem, é muito bonito de se dizer, sobretudo quando os interlocutores são cientistas da comunicação e não outra coisa qualquer. Fica bem, mostra-se que se é atormentado pela evolução e isso é in.
Agora este ser feliz que sou eu vai mostrar-vos orgulhosamente que não tem contacto com "novas tecnologias" de forma contínua. Tirem as vossas conclusões.
De manhã vou resolver algo complicadíssimo a uma instituição pública. Está fechada. Não vi na net se estava aberta antes de sair. Tento enviar uma mensagem ao meu amigo em Paris, mas o telemóvel não tem dinheiro e, sem net, não o posso carregar. Como qualquer coisa. Durante a refeição, penso se será plausível ir até casa buscar o computador para um possível contacto com o exterior num lugar equipado com Wi-Fi. Wi-Fi fere o vocabulário altamente retrógrado com o qual tenho sido confrontada ultimamente. Ainda assim, talvez seja uma boa ideia.
No caminho para casa, apanho a linha 7 do metro, que é igual às outras todas, que tem um condutor humano e muitos seres humanos a cozinhar a trinta graus. O contacto humano não é de grande qualidade, mas ahhh, é carnal, é humano na verdadeira acepção da palavra! Até os cheiros remontam à Idade Média, fantástico! Se por acaso apanhasse a linha 14, programada, um dia, por engenheiros, para funcionar sem condutor, demoraria metade do dempo a chegar. Mas isso seria trair a humanidade.
Ora, chegando a casa, subo três andares a pé (não há elevador), abro a porta imersa em silêncio, fecho a porta imersa em silêncio, pego no computador em silêncio, falo um bocado sozinha, treino o meu francês para o espelho, saio com dez quilos às costas (felizmente que vou ao ortopedista em Dezembro) e ligo-me à internet numa biblioteca qualquer.
Leio mails, respondo a mails, escrevo no blog, leio blogs, leio jornais, procuro informações práticas, tenho o mundo à frente, livros à direita e pessoas à volta. Pessoas que fazem o mesmo que eu. Mas o tempo é curto, o meu momento de convívio acaba quase antes de começar.
Perante tal cenário pintado a tinta da china com uma pena e não impresso através de uma HP, este ser orgulhosamente feliz, que sou eu, está cada vez menos orgulhosamente e cada vez menos feliz. Ora... onde estão os seres humanos quando eu penduro o meu computador na janela do 3º andar para encontrar um pauzinho verde de internet "sem fios sem segurança" e percebo com desilusão que não há?

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Delft


Perdi o cartão de memória antes de ir para a Holanda. No comments. Mas no comments mesmo, an? Agora tenho que recorrer à tarefa árdua de escrever um post sem imagem, algo que nunca fiz e que complica muito as coisas, já que metade do texto não está já mais que escrito.
A partir de agora, sempre que me perguntarem onde anda o meu namorado, eu respondo: foi para o campo. Emigração rural. Vai para a escola de bicicleta, vive numa espécie de comunidade super acolhedora que partilha a cozinha e a casa-de-banho, numa casa Ikea cheia de gatinhos gigantes de tanto pêlo bem tratadinho. Come panquecas ao pequeno almoço e bolachas com caramelo durante o dia inteiro, mas não engorda, porque no campo não se engorda (anda-se de bicicleta e joga-se futebol).
As casas holandesas não têm cortinas ou janelas: têm montras. Ao passar na rua, olho para dentro das casas e há um gato num sofá design, uma pessoa à frente de um Mac, alguém que faz a sua vida normal perante toda e qualquer pessoa que se plante no passeio de olhar intrometido. Às seis da tarde está tudo a voltar do trabalho, às dez da noite está tudo a dormir. E eu não consegui tirar da cara aquele olhar ridiculamente feliz de quem encontrou finalmente a cidade dos pequenos póneis, um bocadinho menos cor-de-rosa, talvez.
Desta vez não houve lágrimas. Houve um gato enorme que não nos deixou despedir como deve ser, de tanto se tentar enfiar no nosso colo. Houve o pensamento de que em Novembro estou de volta a Delft para descansar a cabeça desta Paris que sim, é bonita, mas que não, não pára nunca.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

A viagem de avião


Isto parece um avião!
Foi a frase mais ouvida na minha viagem de carro. Daí que eu a eleja como primeiríssima numa lista sem fim. Isto parece um avião, de vez em quando, intercalado com um "aliás, isto é mais confortável que um avião", dito a medo, perante a Margarida e a geleira colada à Margarida.
Outra bastante repetida respeitava aos espanhóis. "São porcos. Os espanhóis são uns porcos. As áreas de serviço são um nojo!" E estávamos nós nesta dissertação infindável, cheia de dor de cotovelo dos Nuestros Hermanos versão porca, quando me deparo com o saquinho da imagem. Pois é, eles são porcos, mas o saco do lixo abandonado é do Continente (conheço alguém que ficará felicíssima com este momento de publicidade...). Pelos vistos os espanholes vão às compras a Portugal. Só pode... são uns porcos.
O choffeur (o meu tio, que por acaso até é mesmo choffeur) nem sequer corria o risco de pôr gasolina 95 no seu avião! Muito rasca a gasolina espanhola, tem que se pôr 98. É por isso que é 40 cêntimos mais barata.
Chegando a França, tudo é o auge! Um dia apresento-vos o meu tio. Ele nasceu no país errado. Olhem que até a porcaria das pizzas requentadas do pior supermercado do país são "óptimas"! Até o barulho das sirenes das ambulâncias "se vê que é francês". Ele é o melhor incremento da auto-estima de um povo que dela não tem necessidade absolutamente nenhuma. Aliás, qualquer nação devia ter um Tio António vindo de outro país.
Pelo caminho, ficam paisagens de alcatrão, porque afinal o objectivo era Paris. Mil e duzentos quilómetros em doze horas e seiscentos no dia seguinte. Em seis. Paris mostrou-me a Torre Eiffel da auto-estrada, mas depois escondeu-a. Ainda não a vi nos meus passeios burocráticos pela cidade. Mas como dizia há pouco num mail... burocracia no centro de Paris (longe da Torre Eiffel, certo), é sempre agradável. Ainda que com as sabrinas debaixo de chuva.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Regresso às Aulas


O que eu ia comprar:
  • Uma resma de papel

O que comprei:

  • Uma resma de papel;
  • Uma lapiseira;
  • Um caderno;
  • Um pacote de pastilhas;
  • Um coisinho de post-its

É um misto de regresso às aulas e Leopoldina. Não há nada a fazer, a minha obsessão por cadernos limpinhos no início do ano é totalmente indomável. Se não tenho lapiseiras em casa? Tenho! Se não tenho cadernos por usar? Tenho! Se não vou levar já três malas cheias de coisas realmente importantes para França? Vou! E então? Ano novo, material escolar novo!

Um dia que isto acabe e não haja mais regresso às aulas, tenho que ver se tenho filhos o mais rapidamente possível e se os ensino a escrever aos dois anos, para que me peçam canetas e lápis em Setembro! A televisão não se cala com o regresso às aulas e eu imagino-me sempre no mundo encantado das folhas pautadas, a escrever com as minhas vinte canetas coloridas (super práticas e necessárias), arrumadinhas no estojo grátis que as trouxe.

Agora tenho que experimentar a lapiseira no meu caderno. Talvez me ponha a fazer a lista para a viagem, que já conta com bastantes objectos desnecessários. Sim, é uma boa maneira de não me esquecer de nada. Material de casa de banho a verde, material para a escola a azul, roupa a amarelo, sapatos a cor-de-rosa, apontamentos extra a lapiseira... e conforme for enfiando as coisas na mala, vou riscando a lista com uns Stabilo-Boss mini. Pode ser a cor-de-laranja.

Oh... viva as 500 prateleiras do Continente dedicadas às crianças que precisam de material escolar para escrever todos os sumários da primeira semana! As 500 prateleiras pintadas de cor-de-laranja e colocadas mesmo em cima da entrada, para que crianças como eu possam dar liberdade aos seus desejos consumistas mais profundos.