sábado, 14 de junho de 2008

A Dona Maria

A casa da Teresa parecia um antro de perdição doméstica. O chão era praticamente invisível, as bancadas pareciam barradas com margarina e o frigorífico cheirava ao mesmo que o caixote do lixo. No quarto era expressamente PROIBIDO entrar e na casa de banho, a sanita fazia aquele espectáculo triste das casas de banho dos anúncios do WC Pato antes de serem exorcizadas com o produto: a sanita fala e mexe-se e diz aos convidados que é infeliz.
Muito farta da situação, a Teresa contactou uma empresa de serviços de limpeza e começou a estudar a hipótese de contratar uma Dona Maria. E foi assim que nasceram os primeiros raios de sol, acompanhados de um cheirinho a AmbiPur, na vida da Teresa. Verdade seja dita, uma senhora a dias é sinal de estabilidade. Ter uma Dona Maria com quem deixar os filhos (ainda inexistentes), com quem conversar sobre a família, com quem partilhar informações acerca do marido (que a Teresa também não tem), é um privilégio digno de uma senhora da classe média!
Antes de adormecer, a Teresa passeava de olhos fechados pela casa cheia de gritos de crianças, com um cheirinho a comida deliciosa "A comida da senhora Maria!" e com um animal (um gatinho, talvez, que é mais pequenino). E passeava descalça, porque o chão estava finalmente limpo.
Estava tão entusiasmada, a Teresa, que, no dia em que dona Maria tocou à campainha pela primeira vez, tinha um lanchinho preparado (e a cozinha ligeiramente arrumada!). A Dona Maria... responsável por tantas noites de alegria a pensar num futuro inacreditavelmente feliz. A Dona Maria... que veio de calças e T-shirt larga, que tinha a barba por fazer e que usava tennis da Nike. A Dona Maria que se revelou, afinal, um homem: o "Senhor" João ("senhor" entre aspas, porque devia ter vinte e tal anos).
E caiu o império feérico, assim: Pfffffffffffffffffff... o rapazinho jeitoso passeava-se de aspirador na mão durante duas horas enquanto a Teresa tentava trabalhar. E cirandava pela casa à procura do pano do pó e da reserva de detergente. E tinha voz de homem e cabelo de homem e barba de homem e suava... não foi preciso muito tempo para ser despedido, coitado. Só por ser homem!
O mundo está a mudar. E é uma grande chatice, porque depois de tanta luta para ver se os senhores do século XXI fazem mais em casa que os do século anterior, eles começam a fazer! E que desagradável ter um homem a dias, quando o que se quer é convidar a dona Maria para lanchar ou para ver a novela! Que conversas se tem com o senhor João? Como é que é possível que o senhor João saiba fazer cozido à portuguesa para as crianças? Pois, mas é. E ainda bem! Só que também não sei se queria ter um senhor todo giro a aspirar-me a casa quando, antes de dormir, quero continuar a sonhar com as gargalhadas dos meus futuros filhos!!! Ai ai... as pessoas são mesmo complicadas...

4 comentários:

Ricardo disse...

São sinais dos tempos. O que a malta não faz para fugir aos impostos, Margarida. Olha que esta estória tem muito que se lhe diga... mas prefiro não me alongar. Se fosse na hora da parvoíce, isto dava pano para mangas.

Fátima disse...

agora fizeste-me pensar nos pool boys :P

Anónimo disse...

No meu tempo, no tempo daquela burguesia que se esfolava para comprar o móvel da Pandora, era muito bom termos criados africanos que limpassem, passassem e mesmo cozinhassem e que até eram nossos amigos. Tenho gratas recordações - do estudioso Finias, do Salvador que lia os relatos do futebol ou as notícias sobre o Samora Machel sentado à mesa da cozinha, da Marta, que só usava a bata nova para quando "vamos embora numa festa" ou para ir passear com o Luís... Eram bons tempos esses e creio bem que as actuais donas Marias surpresa têm menos preparação, e menos boa vontade. Mas não recusarão o chá. O meu Salvador tomava ovomaltine à socapa e por isso sofria do estômago.Mas eu dava-lhe sais de frutos para se recompor.

Anónimo disse...

não pude deixar de me lembrar de um episódio de Friends, em que a Rachel e o Ross procuram uma ama para a sua bebé. Encontram uma perfeita, "só" que era um homem. Acabou despedido pelo Ross que achava aquilo "unatural" hehe