quarta-feira, 30 de julho de 2008

CCB


Mas porque é que no CCB até a porcaria das portas das casas de banho são originais? Porque é que eu fui ao CCB re-re-rever a colecção do Berardo, havia apenas três míseras salinhas disponíveis e, ainda assim, consegui não ficar minimamente chateada? E porque é que a exposição do Le Corbusier, apesar de muito criticada pela minha amiga arquitecta - a Joana, que estava comigo nesse dia - me agradou tanto? Porque enfardei uma tosta mista e uma Pepsi ao longo de duas refasteladas horas na esplanada das Oliveiras, antes de entrar no museu. E porque o facto de estar a comer não me travou a língua. É que convenhamos, duas horas de conversa à beira Tejo, num edifício que por fora tem paredes, por dentro tem jardins e na zona mais profunda tem obras de arte, é talvez a experiência mais zen que sou capaz de ter.
Estou a par da visão do CCB como uma afronta aos Jerónimos e à Torre de Belém. Mas, talvez por força do hábito, o edifício me pareça quase transparente, embora extremamente bonito. Além disso, a dinâmica que veio criar é espectacular. O CCB funciona como o passeio de Domingo. Funciona como a alternativa artística que corresponde de forma perfeita ao fascínio português pela palavra grátis. Funciona como um saxofone e um piano de notas improvisadas às Quintas. Funciona como a diversão da semana de muitos dos velhotes que povoam a Grande Lisboa e que nunca se desligaram daquilo que, em tempos, a punha a dançar: o bailarico. Funciona como local de aperfeiçoamento artístico. Funciona como Festa ou Dias da Música. Funciona. E ainda bem.
Ainda bem, porque o Centre Georges Pompidou pode até ser mais completo a alguns níveis, mas é mais feio, tem mais japoneses e só é grátis às Quartas-feiras ao fim da tarde, hora da pelintrice, que vai para lá massivamente conversar sobre os saldos do BHV à frente de um Miró, salivar mas é por uns bons croissants perante um Kandinsky e/ou tirar fotografias com os Chagais.

6 comentários:

Anónimo disse...

Eu também não acho que o CCB corte de tal maneira a beleza do espaço clássico onde se instalou. É um edifício funcional que ocasiona momentos de prazer intelectual e gustativo, e a bela cavaqueira que propiciou mais um post alegre e observador teu. Mas se os japoneses comem e discutem os saldos enquanto fotografam os quadros ou esculturas das exposições, é porque têm a disciplina do tempo, que vão empregar depois a criar modernidade e conforto sobretudo para nós e riqueza para eles.

João Paulo disse...

Realmente, o CCB é um espaço onde a maior parte das pessoas se sente bem... tem uma dimensão "para pessoas", é arejado, limpo, tem espaços verdes e motivos de interesse, como as exposições, etc. E, mesmo os mais "puristas" em relação à envolvente, concordam que quando estão dentro do CCB nem se lembram disso... E depois, dentro do CCB só andam pessoas, numa cidade onde o automóvel invadiu tudo, e o espaço é mantido asseado, numa cidade que nem sempre prima pela limpeza... Compreendo muito bem o que descreves!

Anónimo disse...

ó pa ela a desdenhar dos franceses! assim é que é =) como uma boa emigrante!
mas sim, também tenho essa paixão pelo CCB. Aliás, já decidi que se calhar, em vez de viver no centro de lisboa (onde as casas são podres e caras, mas continuam a exercer um fascinio enorme sobre mim), vou viver em belém, onde se vê sempre o tejo, onde há muito verde, onde há a torre e os jerónimos e onde posso ir ao CCB a pé!
(é mesmo verdade que tenho dito isto ultimamente. mas claro, SE um dia tiver dinheiro para isso...)

Anónimo disse...

faltou-te aí que o CCB também é, como o próprio nome indica, o Centro Comercial de Belém.

Se calhar sou só eu que vejo que aquele bloco compacto de pedra, construido por interesses políticos, rompe com a harmonia histórica e manuelina (com traços
góticos) que o rodeia.
Não sou contra o conceito em si, mas tinha de ser ali e daquela maneira? 98% cimento e 2% "jardim interior?
será que o modelo Gulbenkian está assim tão ultrapassado?

Ricardo disse...

Desisto, já não me espanto contigo, Margarida! A profundidade de raciocínio, a capacidade de observação, a alegria pela vida, a graça, revelam-se neste texto tão maravilhosamente escrito e explanado. Não vejo na imprensa portuguesa quem seja capaz de se te igualar. Este teu blogue já devia, ele sim, estar exposto no CCB.
Só mais uma coisa - agora já acredito que irá ser batido o recorde de 15 posts conseguido em Maio.
Como diria o Jô Soares:
- «E pensar qui eu saí dji dentro dela, mámãe!»

Enolough disse...

Sra. Ale, fique sabendo que no local onde se ergue o Centro Cultural de Belém houve um pavilhão de aspecto semelhante em 1940 durante a exposição Mundo Português. O Padrão dos Descobrimentos e o CCB são reconstruções de objectos arquitectónicos dos anos 40. Histórico, hm?

A Praça do Império tem jardim, Belém tem jardim... não vejo necessidade de relvar os auditórios do CCB.