segunda-feira, 26 de maio de 2008

A Dona Diolinda


O cheirinho do Bairro Alto ao Sábado de manhã é da melhor qualidade que há por aí. Aliás, eu diria que aquilo sim é qualidade de ar. O vomitado, os copos de cerveja cheios (não percebo... a cerveja também não é assim tão barata!), as garrafas de vinho, as moscas a morrer de felicidade... e o pensamento instantâneo: será que fui eu que deixei este copo ali ontem? E aí a questão complica-se, torna-se mais do tipo existencial: sou uma mal educada quando estou bêbeda... depois venho para aqui refilar que não há respeito e que as pessoas não percebem que no Bairro Alto também se vive e também se trabalha.
Ia nestes pensamentos às nove da manhã de Sábado para o meu ensaio musical, quando surge atrás de mim uma voz que diz o seguinte: "Deus castiga". Eu nem olho, claro, suponho que não seja para mim, também não é caso para tanto! E a voz, que deve ter problemas, lá repetiu: "Deus castiga". Olhei em volta, ninguém senão eu e uma senhora com metade do meu tamanho (ainda assim alta, portanto). Ok, não me lembro, se calhar fui eu, mas e depois? Qual será o meu castigo? Era só o que me faltava...
Pois então. A senhora tinha acabado de ter uma conversa com a amiga (a Diolinda) cujo marido estava a morrer com uma cirrose. "Deus castiga" era, então, para o marido da Diolinda. Claro que a Margarida, um ser extremamente bondoso, se apressou logo a dizer: "Ai minha senhora, não diga uma coisa dessas, não se deseja a morte a ninguém!". Qual quê! Então não é que o homem emigrou para Inglaterra e veio de lá todo peneirento e alcoólico? De cada vez que vinha a Portugal fazia um filho à Diolinda. Já para não dizer que tinha amantes por toda a região! Enfim, um autêntico Don Juan, coradinho da bebida e bom arrotador. "Deus castiga". Ah, então pronto, deixa lá o homem morrer de castigo Divino. Do mal o menos, antes ele que eu! Mas que é assustador que estas doenças caiam do céu, ah isso é, sobretudo para uma hipocondríaca como eu. Felizmente, a senhora gigante, mensageira dos castigos Divinos, tinha tido uma vidinha desafogada, dois filhos educados e formados, um bom marido... pensa ela!
Mas pronto, pelo sim pelo não, portem-se bem, não vos vá um raio cair do céu.

6 comentários:

Anónimo disse...

Eu cá, estou com a senhora gigante. É preciso não nos excedermos para merecermos que Deus nos premeie. Mas o maior castigo para a Deolinda é esse de malignamente lhe errares o nome. Vê-se mesmo que estás pelo Acordo. Ora não te castigue Deus!...

Ricardo disse...

Esta agora, Margarida! Nunca pensei! Anda um pai a criar uma filha para isto? Tanto sacrifício a pensar na educação, segurança, bem estar... enfim, sempre te ensinei que os meus amigos não vomitam, bolsam, o que é muito mais fino; não são alcoolizados mas sim etilizados; além do mais, tamanho não é documento e ajuda ser baixo para salpicar menos as calças. Estas regras são válidas para os familiares e seus amigos também. Mas de qualquer maneira não é bom bolsar porque depois, com o estômago vazio, pode emborcar-se mais um bom bocado e, aí sim, há perigo de contrair certas maleitas menos dignas. E não há que meter nisto Deus nem as forças da natureza.

Anónimo disse...

isso é o que acontece quando nós (seres estupidamente bondosos) ficamos a ouvir as mágoas das velhinhas. foi assim que que levei uma senhora até casa: "ai menina, dá-me aqui o braço que tenho medo de atravessar a rua?"
"Claro, venha lá"
"obrigada minha jóia. já agora vamos só até ali ao cimo da rua, que eu moro já ali"
O "já ali" foi cerca de 20 minutos depois (que ela andava muito devagarinho) e veio acompanhado de uma longa história de doenças e problemas familiares "a minha filha não tem paciência para mim". "ora não diga isso, ela gosta de si com certeza, deve é ter muito que fazer".
E pronto...

Ricardo disse...

PS: Não ligues às vozes dissonantes, Margarida. Eu também dei pela falta e nem ia tocar no assunto mas, depois do reparo, pensei com muito orgulho:
- A minha filhinha está agora na estranja, ainda que só há um par de dias, pelo que é natural esqueça um pouco do seu léxico original ou, melhor ainda, a coisa foi de propósito e aí faz todo o sentido a educação esmerada que teve.

Anónimo disse...

Eu não estou com a D. Deolinda ou Diolinda (sabe-se lá que nome lhe ia no BI...) porque já dizia a minha avozinha e a minha maezinha que "não se deseja morte a ninguém". Além disso sempre ouvi dizer que Deus não castiga, mas sim perdoa. Não é?

Ricardo disse...

Posso explicar: Deolinda é linda de Deus em italiano (linda de morrer em português corrente), ao passo que Diholinda é brasileiro, oh linda d(j)i praia d(j)i Copacabana. A principal diferença é que a europeizada bolsa, Deus perdoa, claro.