sábado, 3 de maio de 2008

Copo-de-água


O copo de água é um assunto extremamente delicado. O simples facto de proferir esta palavra (sim, copo de água é uma palavra só) após "Queria um café e..." pode criar uma sensação de conflito iminente, de sururu interior, de tensão mal resolvida.

Há os que simplesmente ignoram. Para esses, o copo de água é o grande silêncio, tão transparente, tão inodoro que não pode existir. Vem o café e o silêncio transparente e inodoro. O espaço do copo de água fica vazio. Mas esses são fáceis de enganar. Repete-se a palavra transparente e inodora e plim, ela aparece. Vem o copo de água sozinho. Pois é, sozinho ele existe. Sozinho e à segunda. Claro que vem meio entornado, na mão da senhora que bufa e refila qualquer coisa, felizmente, inaudível.

Só que a história não acaba aqui. Há os que já têm manhas...

Fruto de uma conspiração que atingiu proporções nacionais e que juntou mais de 70% dos Senhores do Café, surgiu o albergue dos copos de água: o tabuleiro estrategicamente colocado em cima do balcão, com os copinhos quentes virados para baixo, perante o imponente Jarro de Água.

"O copinho de água está ali", diz a senhora com o dedo indicador na horizontal. Está ali a dez metros de si, que está aí sentada e já espalhou tudo pela mesa. E aconselho-a a não deixar a mala na cadeira quando levantar o rabo para o ir buscar, porque ainda lha roubam e nós cá não somos responsáveis. Isto é o que fica para dentro, só que já não sai transformado em grunhido recalcado e olhos revirados, porque agora o sururu interior saltou para o nosso lado. Querem o copinho de água? Vão buscar. É um mundo cão.

MAS (!!!) há ainda em Lisboa um café que compreende a impossibilidade de apresentar uma chávena a escaldar com um líquido castanho e amargo que deixa os dentes amarelos, sem o copo de água, que, porque a natureza tem destas coisas, após o café, fica doce. Este copo de água que vêem na fotografia foi-me trazido sem que eu sequer soltasse um som, um gesto, uma mísera vontade de o beber. Veio naturalmente, porque conhece bem o seu lugar.

6 comentários:

Anónimo disse...

aposto na divulgação do nome desse café porque eu quero lá ir e cumprimentar o "senhor do café" que faz essa delicadeza.
gosto muito das tuas cronicas da vida diária =)
já agora, satisfaz-me a curiosidade: andas sempre com uma máquina fotográfica ou isso vem tudo do telemóvel?

Ricardo disse...

Vou contar aqui em primeira mão a história que me aconteceu ontem em Idanha-a-Nova no Café Esplanada. Nunca me passaria pela cabeça contá-la mas as tuas crónicas trazem destas coisas. Vi um balde cheinho de gelo ao lado da torneira e perguntei se podia ter o meu copo de água com umas pepitas. A moça, simpática, disse logo que poder eu não podia, mas ela condescendia e lá acrescentou duas ou três de má vontade.

Ale disse...

para quem n bebe café, cm eu, o problema é ainda maior. porque sentares-te e pedires só e apenas um copo de água "sff" é motivo p quem o trouxer, se trouxer, acidentalmente tropeçar e derrubá-lo em cima de ti! n, nunca me aconteceu, m conheço gente q sim!n, na verdd tb n conheço ng, m achei q ficava 1 comment mais emocionante! ;P

Fátima disse...

Que pérola de café encontraste! =) leva-nos lá!

Ricardo disse...

Estive a consultar o arquivo do blogue - tens 13 textos até Maio. Não há propriamente uma periodicidade na sua inserção nem a isso estás obrigada. No entanto eu gosto de te ler sentimentos assim que ligo a máquina. Também tenho publicitado o teu sítio pelos meus companheiros de jornada e até deixei o endereço em favoritos de duas bibliotecas que visitei pelo país. Por favor, Margarida, escreve, diz de tua justiça.

Anónimo disse...

Nós por cá, no nosso Murtal, também temos dessas manhas, que nós sabemos muito bem, não é verdade?